Tento escrever neste momento em que a angústia me paralisa e não consigo fazer mais nada a não ser caminhar de um lado a outro da sala como quem busca uma solução, uma solução que não veio, que tanto tarda, que nunca chega!!! Condições para isso, agora, eu não tenho, portanto considerem esta escrita mais como um grito de indignação e revolta do que um texto.
Hoje, às 7h e 20min, numa escola estadual da zona oeste de São Paulo, quatro professoras e dois alunos foram esfaqueados por um adolescente de treze anos. A Professora Elisabeth Tenreiro não resistiu aos ferimentos e faleceu. Antes que este grito sabote meu discernimento e impeça um mínimo de senso de justiça e gratidão, meu abraço amoroso para a Professora Cíntia que imobilizou o agressor e impediu uma tragédia ainda maior.
Eu não quero me referir agora a respeito das possíveis causas que levaram o estudante a cometer esse ato, sobre bullyng, segurança nas escolas ou sinais que nós professores percebemos nos alunos, nada desses assuntos sobre os quais “Especialistas em Educação” vão se debruçar nos próximos dias até a exaustão, até que tudo caia mais uma vez no esquecimento. Nós, que estamos no chão da sala de aula todos os dias, conhecemos muito bem essa realidade, caso alguém queira realmente alguma dica de como prevenir e tentar resolver, venha até uma escola, promova uma reunião com os professores e ESCUTE, apenas escute.
O que me desespera, agonia, engasga e esfola é a dupla tragédia desse caso: Elisabeth Tereiro de SETENTA E UM ANOS, fazia a chamada hoje, às 7h e 20min da manhã, quando foi esfaqueada CINCO vezes e veio a falecer. SETENTA E UM ANOS! Nisso consiste a tragédia dupla: o assassinato e o fato dessa professora ainda estar em sala de aula. Muitos me dirão, “Era por amor, ela amava a profissão!” “Ela tinha o magistério como missão!” Por certo que havia muito amor no seu trabalho, mas posso assegurar que não foi o amor que a colocou naquele lugar, naquela hora, foi a necessidade. A mesma necessidade que levou um professor e diretor aposentado a dirigir um Uber para mim, na semana passada. A mesma necessidade que assassinou um colega meu, jovem professor de história, num acidente de moto quando ia de uma cidade a outra para lecionar. Muitos de nós têm vergonha de assumir essa condição tão humilhante e preferem romantizar o fato de permanecerem na ativa apesar da idade.
É preciso muito mais que amor para estar em sala de aula de Ensino Fundamental e Médio, é preciso vigor físico, resistência emocional, firmeza na voz que, muitas vezes é abafada pelo ruído e conversa de mais de trinta alunos. É preciso muita, muita saúde mental!!! É necessária a disposição e energia da professora Cíntia que imobilizou o agressor com um mata leão. Os professores de Ensino Fundamental e Médio estão o tempo todo de pé, caminham pela sala entre um aluno e outro, saem de uma sala para outra, de uma escola para outra, carregam livros, materiais diversos e pesados. Eu tenho cinquenta e sete anos e já sinto dificuldade, imagina aos setenta e um.
Não foi só o aluno que assassinou Elisabeth Tereiro, foi o Estado, foi a sociedade, foi nossa cultura de descaso com a educação, com os educadores, com o conhecimento. Foi esta infame era de Ode a ignorância!!! Foi o desprezo pelos professores, muitas vezes perseguidos, menosprezados e humilhados por aqueles que deveriam nos proteger e defender. E nem me refiro aquela “suposta cantora insignificante”, me refiro a autoridades. Só em Santa Catarina, de onde escrevo, dois deputados estaduais têm como projeto a perseguição aos professores.
Muitas mãos seguraram a faca que tirou a vida da Professora Elisabeth. As mesmas mãos que lhe negaram um salário decente, uma aposentadoria digna. As mesmas mãos que ordenam ataques de toda a natureza aos professores quando estão em greve. Essas mãos lhe roubaram o direito sagrado, depois de uma vida inteira de trabalho, de estar em casa ainda dormindo naquela hora. O direito de, aos setenta e um anos, acordar sem o toque do despertador, sem a pressa dos compromissos. O direito de levantar da cama quando o corpo está preparado para despertar. O direito de tomar um café da manhã sem pressa e dedicar o restante do dia aos afazeres que bem lhe aprouvessem. Por mais que, por vergonha ela negasse, foi a carência que lhe foi imposta por tantas e sucessivas mãos que a conduziram até a escola e a colocaram em frente do seu assassino.
Às outras vítimas, quatro professoras e dois alunos, ficarão as consequências, as sequelas de tanta brutalidade que nunca são poucas e a mesma e contínua vulnerabilidade e desamparo a que continuarão sendo expostos todos os dias. Essas professoras terão de voltar a sala de aula e, certamente o farão sem nenhum apoio, sem nenhuma ajuda, sem nenhum aparo a não ser aquele que elas mesmas conseguirem prover com seus parcos salários!
Meus sentimentos e mais profunda solidariedade aos parentes, colegas e amigos da professora Elisabeth! Meu carinho e abraço aos sobreviventes. Por vocês toda esta minha dor que não surgiu hoje e que algum dia, de alguma forma, talvez possa ajudar a modificar essa realidade insana dos professores brasileiros.
Professora Márcia Friggy